quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Suassuna por Ariano

Ariano Suassuna faz 80 anos e o país reverencia o dramaturgo,romancista, pintor, pesquisador, professor e acadêmico.Sua aula-espetáculo, com Antônio Nóbrega, rodou o Brasil.No nosso mais recente encontro, aflorouo Ariano contador de caso de verve colorida e alegre, que alguémteve a luz de gravar e me enviar a transcrição. Abaixo, trechos quasena íntegra para preservar o vocabulário, sotaque e frescor da fluência,e compartilhar seu humor jovial."Quando era secretário de Cultura do Governo Miguel Arraes,cheguei ao palácio e uma moça soldada da Polícia Militar:'Onde é que o senhor vai?' 'Para o primeiro andar.' 'Falar com quem?''Com o doutor Arraes.' 'O senhor marcou audiência?' 'Marquei não.''Então não pode.' O segurança me reconhece: 'Esse homem é o secretário!'Ela: 'O senhor é o secretário?' 'Não tenho cara, mas sou.''Por que não disse logo?' 'Você não me perguntou.'""As pessoas deram para falar com um sotaque que não é deestado nenhum. Já fiz uma pesquisa: é sotaque de aeroporto.Tenho a impressão de que fazem um curso.Uma das coisas que me leva a não viajaré porque se fica em quatro tipos de lugares que não gosto:aeroporto, avião, hotel e restaurante.E todo mundo fala com aquele sotaque. Vim do Recife agora:no alto-falante do aeroporto, uma mulher disse: 'Varig, vôo 787...'Minha Nossa Senhora! Tomei o avião, desci em São Paulo,estava no aeroporto, a voz de novo: 'Varig, vôo.' Eu disse:'A mulher veio!' Mas não, era outra. Todos estão falando assim.""Quando fui tomar posse na Academia, minha mulher e minha filha entraram no avião, ninguém disse nada.Quando fui entrando, um homem barrou:'O que é isso que está levando aí?' Eu estava com a espada do fardãono estojo, parecia assim um clarinete, e disse: 'Isso é uma espada.'E ele: 'O quê?' Eu digo: 'Uma espada' 'O senhor acha quevai viajar com uma espada?'Imagina se eu seqüestraria o avião com uma espada!Que coisa arcaica, desgraçada, de espada em punho!Mas aí, com a vergonha do lado, eu disse:'Não, é o seguinte, eu fui escolhido para pertencer à AcademiaBrasileira e tal... O senhor é da polícia?' 'Não, da Infraero.Melhor a gente ir à polícia.' Digo: 'Vamos. Vamos à Polícia Federal.'Lá, havia um agente na porta, e ele chegou junto: 'Olha, esse homemestá querendo viajar com uma espada, veja aí.' E foi-se embora.O agente: 'Quer viajar com espada?'Eu digo: 'Não é melhor falar com o delegado?' Ele me levou aodelegado, que me olhou: 'O que é isso? Quer viajar com uma espada?''É porque fui escolhido...' O delegado tinha cara de poeta parnasiano,me identificou: 'O senhor é o Ariano Suassuna?' 'Sou.'Ele começou a dar carão: 'Vocês precisam aprender a trabalhar,como é que se pega um homem com a categoria de Suassuna?'E eu com medo: 'Meu senhor, eu quero é viajar, pelo amor de Deus,nem foi ele quem me barrou, foi o da Infraero, que foi embora.'Aí ele disse: 'O senhor faça o seguinte, leve a espada, chegue lá,procure a moça do avião e dê a espada para o piloto levar na cabine.Quando for saltar lá, pegue.' O avião estava esperando por mim.Cheguei de espada em punho, entrei, não disseram nada,mas quando fui botar a espada naquele lugar, a mulher disse:'O que é isso?' E eu: 'É uma espada.' E ela: 'Espada de esgrima?'Digo: 'Minha senhora, eu vou lhe dizer, é uma espada literária,eu não tenho definição melhor não.'""Estava dando autógrafos, uma fila. Chegou uma mocinha simpática:'Minha filha, como é seu nome?" E ela: "Wheydja."'Como é que se escreve?' E ela: 'W-h-e-y-d-j-a'. Escrevi: Para Wheydja...Vem outra: 'Como é seu nome?' 'Whnytta.' 'Como se escreve?'Ela disse, eu perguntei: 'É irmã de Wheydja?''Como é que o senhor adivinhou?' Atrás havia um rapaz,que me ouviu pedir para as moças soletrarem os nomes,deve ter pensado:Esse é analfabeto.' Na vez dele, eu disse:'Como é seu nome?' E ele: 'Hugo. U-g-o.'"Mais casos quisesse, mais teria. Impossível ficar sem rir,perto de Suassuna – o que ajuda a explicar os alegrese divertidos 80 anos, que parecem a metade.

Alcione Araújo - Estado de Minas

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