sábado, 24 de novembro de 2007

O Regime Disciplinar Diferenciado(RDD) pode ser considerado “pena cruel”, nos termos da Constituição?

Tendo em vista os últimos noticiários acerca de um dos traficantes mais famosos do país – “Fernandinho Beira Mar” –, surge uma discussão à respeito da constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é um conjunto de regras rígidas que orienta o cumprimento da pena privativa de liberdade, quanto ao réu já condenado, ou a custódia do preso provisório. Instituto previsto no art. 52 da Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais - é marcado por peculiaridades que visam à segurança da coletividade, bem como buscam evitar que criminosos de altíssima periculosidade, mesmo recolhidos ao cárcere, continuem a oferecer risco ao sistema prisional e à paz social.
Consta da norma legal duas modalidades distintas para o RDD, quais sejam, a punitiva e a cautelar. O RDD punitivo decorre da prática de fato previsto como crime doloso ou de fato que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas (art. 52 da Lei de Execuções Penais). De outro lado, o RDD cautelar é aplicável aos presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade (art. 52, § 1º), ou àqueles sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §2º).
O regime impõe ao detento algumas restrições, tais como: permanência em cela individual, limitação do direito de visita e redução do direito de saída da cela, prevista apenas por 2 (duas) horas.
Sabe-se que nenhum direito, por mais importante que seja, pode ser considerado absoluto. Podendo ser relativizado pelo princípio da convivência das liberdades públicas ou da relatividade. Dessa forma, todos os direitos, inclusive os direitos e garantias fundamentais previstos da Constituição Federal, encontram limites estabelecidos por outros direitos igualmente consagrados no texto constitucional. Conforme afirmou o Min. Celso de Mello (STF – RTJ, 173/807-808) “Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”.
Ademais, de acordo com o entendimento consagrado na Suprema Corte, baseado na doutrina de Alexandre de Moraes, “os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”.
Assim, entendo que embora a internação sob as regras do regime disciplinar diferenciado imponha restrições mais severas aos presos, elas se justificam em razão da prática de crime doloso que acarrete subversão da ordem ou disciplina interna no estabelecimento prisional, alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade ou fundadas suspeitas de envolvimento ou participação e organizações criminosas, quadrilha ou bando. O legislador ao instituir o RDD atendeu ao princípio da relatividade, proporcionalidade, não estabelecendo penas cruéis, vedadas pelo ordenamento constitucional, vez que art. 52 da LEP, visa restringir o contato do preso com outras pessoas, impedindo a prática de atos atentatórios à ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, observado os limites legais e os direitos individuais do preso. Ou seja, o regime disciplinar diferenciado foi concebido para atender às necessidades de maior segurança nos estabelecimentos penais, buscando dar efetividade à crescente necessidade de segurança, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando ativamente facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional e no meio social, liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos .
Nessa mesma linha de pensamento entende o ministro Arnaldo Esteve Lima do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “não há falar em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), à proibição da submissão à tortura, a tratamento desumano e degradante (art. 5º, III, da CF) e ao princípio da humanidade das penas (art. 5º, XLVII, da CF), na medida em que é certo que a inclusão no RDD agrava a restrição à liberdade de locomoção, já restrita pelas próprias circunstâncias em que se encontra o custodiado, contudo não representa, per si, a submissão do encarcerado a padecimentos físicos e psíquicos, impostos de modo vexatório, o que somente restaria caracterizado nas hipóteses em que houvesse, por exemplo, o isolamento em celas insalubres, escuras ou sem ventilação. Ademais, o sistema penitenciário, em nome da ordem e da disciplina, bem como da regular execução das penas, há que se valer de medidas disciplinadoras, e o regime em questão atende ao primado da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a severidade da sanção.”

Daniele Nóbrega

Consultora Jurídica

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