terça-feira, 10 de julho de 2007

Etnografia - A nova pesquisa de mercado.

Tradicionalmente dedicada ao estudo das sociedades humanas, a antropologia social costumava se concentrar na observação de grupos exóticos (desde habitantes de alguma ilha perdida na Polinésia até tribos amazônicas ameaçadas de extinção), mas nos últimos tempos essa ciência voltou-se para o mundo dos negócios. O processo se deu em parte por causa do número cada vez menor de "culturas nativas exóticas", em parte pela crescente complexidade do mundo globalizado, no qual a tecnologia derruba fronteiras e cria uma nova universalidade, e, nesse contexto, as diferenças culturais adquirem importância inédita.
Nos EUA, a Xerox foi uma das primeiras empresas a utilizar a etnografia aplicada. Em 1979, contratou a antropóloga Lucy Suchman para trabalhar no centro de pesquisa instalado em Palo Alto e a incumbiu de fazer um trabalho de campo: Suchman deveria visitar as empresas que haviam instalado fotocopiadoras da marca e realizar um filme com uma síntese da "experiência" dos profissionais na hora de utilizar o equipamento. Depois de assistir à luta dos operadores com as copiadoras para tirar uma cópia, os engenheiros da Xerox começaram a desenvolver o produto de maneira diferente. A pesquisa feita pela antropóloga resultou nas atuais máquinas copiadoras (de todas as marcas), que hoje ostentam um grande botão verde bastante visível, mas que no passado ninguém conseguia encontrar.
Antropologia do consumo - Com esse novo sentido, a etnografia, método de pesquisa da antropologia cultural originalmente centrado na descrição e no estudo das sociedades humanas a partir do ponto de vista do "nativo" de cada cultura, passa a ser usada para observar os consumidores-alvo no contexto de consumo ou de uso, ou seja, em casa, no local de trabalho, no momento de lazer, na hora das compras, ou de passeio. Nesse contexto, o objetivo é identificar os comportamentos e as necessidades que as pessoas nem sempre revelam nas entrevistas ou nos focus groups, mas que empregam na prática.
Modalidade da antropologia aplicada, a pesquisa etnográfica se consagrou como uma ferramenta de avaliação que, embora conviva com os mecanismos convencionais, certamente apresenta vantagens e resulta em equipes de trabalho interdisciplinares especializadas em empresas das mais variadas naturezas. Desde organizações líderes como a Microsoft e a Intel até General Electric, Whirlpool, a rede hoteleira Marriott, o site europeu da Fox Sports e a bem-sucedida eBay, preocupada em desenvolver novos serviços, todas incorporaram a antropologia em seu modo de ver os negócios.
No mundo dos negócios, a antropologia aplicada e a etnografia não se somam como mais uma técnica na hora de fazer pesquisas de mercado. Isso porque existe uma diferença básica: o objeto do estudo não é isolado durante o tempo em que dura a observação, como ocorre nos focus groups, nem é "induzido" por um questionário no qual, não raro, as respostas estão embutidas nas perguntas. O estudo ocorre no contexto cultural e social no qual as pessoas circulam naturalmente. As perguntas não são feitas por interesse científico ou preocupação acadêmica, e não há busca de validação, mas sim de inspiração.
Os estudiosos combinam métodos, recursos e teorias da antropologia para conseguir delinear uma visão bem mais profunda das tendências culturais, das atitudes e do estilo de vida que exercem influências sobre as decisões do consumidor.
Requer um projeto de pesquisa muito consistente, além de preparação e conhecimento técnico do observador. Nesse "trabalho de campo", qualitativo por definição, a observação participante consiste em perceber o que acontece não apenas com os sentidos, mas utilizando também categorias, idéias e, obviamente, alguns métodos de trabalho.
Um profissional de marketing típico, por exemplo, se aproximaria da pessoa observada para confirmar suas premissas com uma abordagem direta e específica, capaz de permitir as respostas que ele procura -ou seja, aquilo que deseja ouvir. O antropólogo, por sua vez, começa observando cada um dos muitos padrões da vida diária do participante, nos detalhes, e apenas então tenta decifrar uma maneira de ajustá-los aos produtos ou serviços em avaliação. Nesse contexto, observar implica estar em condições de ir e vir, em um trajeto entre a cultura do observador e a cultura do observado, mas sem distorcer, perder ou alterar a informação pelo caminho. Por isso se fala em observação "participativa": porque exige certo grau de reciprocidade, de respeito, de reconhecimento mútuo entre observador e observado.
Esse tipo de processo consome bem mais tempo do que o preenchimento de um questionário ou a organização de uma discussão com a mediação de um especialista. Por isso, outra recomendação dada pelos mais experientes é reservar a esse tipo de pesquisa o tempo realmente necessário. É preciso olhar com reservas para a empresa de pesquisa de mercado que prometer utilizar a etnografia e apresentar um relatório em dez dias; um estudo dessa natureza requererá algumas semanas para soltar apenas uma "primeira avaliação". E será preciso haver uma boa equipe multidisciplinar conduzindo o estudo e representatividade dos grupos observados.
Fonte: HSM Management 11/07/2007

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